quinta-feira, 9 de junho de 2011

FIM ANUNCIADO: COMO ENCERRAR PATROCÍNIOS E PROGRAMAS

Ciclo de vida de estratégias deve ser pensado para evitar interrupções repentinas


Por ter no compromisso com causas um dos seus principais fundamentos, a visão de longo prazo é um dos pilares da atitude de marca. No entanto, iniciativas acabam por ser encerradas devido a ajustes estratégicos derivados de turbulências ou mudanças de rota em uma corporação. Ainda que toda ação tenha seu ciclo de vida, é preciso que ele seja objeto de um planejamento estruturado, de modo que seu fim não seja uma interrupção repentina capaz de gerar prejuízos aos seus envolvidos.
Mais do que pensar na criação, desenvolvimento e gestão de atitudes, é necessário preparar, inclusive, sua saída. Ao manter um compromisso duradouro em determinadas áreas, uma marca comunica-se de forma concreta – ou seja, por ações – e, assim, engaja consistentemente uma série de audiências. No caso de uma atitude social, por exemplo, uma empresa fortalece seus vínculos junto ao público interno, organizações parceiras sem fins lucrativos, governo e os beneficiados diretos. Se, por alguma razão bem alicerçada, a companhia tenha que finalizar a iniciativa, ela não pode ser feita de maneira abrupta. É preciso seguir critérios que atenuem os efeitos lesivos da mudança de curso e não afetem a percepção de valor angariada ao longo do tempo no qual a atitude teve vigência. Comunicação e transparência figuram, dentre outros, como critérios fundamentais no processo de encerramento de uma iniciativa.
O caso Pepsico
Para o CEO da Edelman Significa Brasil, Yacoff Sarkovas, o oportunismo é a pior percepção possível para uma empresa que conduz uma estratégia de atitude de marca. “A questão do fade-in, fade-out é muito importante. Deve-se deixar sempre claro por que a marca entrou, por que está saindo e para onde está indo”, afirma.
Um dos casos citados por Yacoff é o da norte-americana Pepsico. Em seu programa social Crescer, desenvolvido no Brasil, dez projetos foram selecionados por meio de edital público para receberem financiamento ao longo de quatro anos. Havia, portanto, um prazo definido. Nos últimos 24 meses, a empresa passou a capacitar os responsáveis pelas iniciativas eleitas quanto à obtenção de condições para que garantissem suas respectivas continuidades mesmo após o encerramento do repasse de dinheiro. A clareza do começo, meio e fim da atitude – e o cuidado para o seu encerramento – demonstraram a conciliação entre as escolhas estratégicas da corporação e a atenção para a manutenção de seu compromisso mesmo após o término do financiamento. A efemeridade de ações, além de demonstrar falta de um compromisso genuíno, gera percepções difusas sobre uma marca, além de representar um dispêndio financeiro sem perspectiva de gerar resultados. O imediatismo e o impulso não se alinham com estratégias sólidas de atitude. Na cultura e no esporte, por exemplo, há casos que ilustram formas adequadas (ou não) de encerrar um ou mais projetos.
TIM Festival
Quando já consolidava a percepção de empresa conectada à cena musical brasileira, a operadora de telecomunicações TIM encerrou o patrocínio ao prêmio musical e ao festival que levavam seu nome. Segundo a companhia, a decisão foi motivada por uma mudança de prioridades estratégicas, o que acarretaria no direcionamento de recursos para outras frentes.
Sucessor do Free Jazz, que desde meados dos anos 1980 foi sinônimo de atitude de marca musical, o TIM Festival foi criado a partir da proibição à publicidade de cigarros em eventos com tais características. Já o Prêmio TIM entrara no lugar do Prêmio Sharp, historicamente conduzido pelo empresário José Mauricio Machline.
Outro expressivo investimento da companhia italiana foi a construção do Auditório Ibirapuera, espaço de referência em São Paulo para espetáculos e projetos sociais ligados à música e à cultura. Inaugurado em 2005 e projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o edifício recebeu R$ 29 milhões da TIM. A comunicação proativa ao mercado no processo de encerramento da atitude auxiliou na mitigação de impactos negativos para a marca em termos de percepção. E o legado material representado pelo Auditório dá uma dimensão de perenidade ao aporte realizado.
Atualmente, a marca concentra seus esforços no esporte por meio de patrocínio a clubes de futebol, o que se articula com sua visível estratégia de expansão da carteira de clientes. Além disso, o aquecimento do mercado decorrente da organização das próximas edições da Copa do Mundo e Olimpíadas acaba por atrair empresas de variados setores para este campo.
Patrocínios individuais
Principalmente no esporte, os patrocínios individuais são costumeiros ao proporcionarem a conjunção entre marcas corporativas e ícones de modalidades populares local ou globalmente. Estes apoios podem ter a longevidade garantida salvo tropeços ou acidentes nas carreiras dos atletas aos quais as empresas vinculam-se. Se Edson Arantes do Nascimento atrai diversas corporações – dentre inúmeros contratos publicitários, é embaixador da Copa Santander Libertadores -, outros esportistas, como o golfista norte-americano Tiger Woods, representaram a pior face do risco que este tipo de patrocínio representa. O envolvimento em escândalos sexuais há dois anos gerou uma debandada das marcas que estavam ao lado do atleta. Accenture, AT&T e Gatorade foram algumas das que figuraram neste rol.
Todavia, Woods não ficou sozinho: Nike, Tag Heuer, EA Sports, dentre outras empresas, ainda investem em sua carreira. Seu desempenho, no entanto, já foi melhor. O golfista aparece hoje fora do top 10 no ranking mundial da modalidade, fato que não acontecia há 14 anos. Com isso, outra variável entra em cena: a performance. Por isso, o risco duplo, que combina comportamento e resultados. São eles a base do alinhamento de significado entre uma marca e um atleta.
Na música, o projeto Natura Musical têm mostrado o lado positivo desta estratégia ao associar-se a artistas alinhados ao propósito da marca e ao objetivo da plataforma de valorizar a produção nacional. Lenine e Marisa Monte são alguns dos ícones que trouxeram esta proposta à materialidade.
O preço da ruptura
No início do ano, a Red Bull teve seu nome envolvido em uma denúncia de abandono de aproximadamente 600 jovens em um projeto de futebol sustentado pela empresa em Campinas, interior de São Paulo. Em matéria veiculada no jornal Folha de S. Paulo em 13 de janeiro deste ano, relatou-se que, após acreditarem na possibilidade de tornarem-se jogadores profissionais, os beneficiários foram vitimados por um desmonte nas categorias de base da companhia, que já estavam vingando ao promoverem o título paulista sub-11 e a ascensão de um jogador ao time principal da marca.
Ainda segundo o texto, o projeto incluía uma grade curricular de apoio aos jovens com aulas de informática e idiomas – além de uma ajuda de custo. Em setembro, os núcleos de base financiados pela companhia deixaram de receber recursos. Markus Schruf, ex-diretor técnico da iniciativa e demitido da empresa, afirmou à época desconhecer as motivações que levaram ao fim do patrocínio, mesmo com os bons resultados obtidos nos primeiros 12 meses de atividade.
Em resposta, a Red Bull emitiu nota oficial sob o argumento de que o projeto era constituído por parceria junto a escolas independentes de futebol, cujo auxílio materializava-se na cessão de material esportivo e patrocínio. Os atletas mais destacados, segundo a companhia, eram indicados ao centro de formação mantido pela Red Bull em Jarinu, também em São Paulo, em cujo espaço são beneficiados com assistência médica e odontológica, bem como cursos de informática e inglês.
Os núcleos de base, segundo a Red Bull, não cumpriam os requisitos para alinharem-se à política do clube mantido pela empresa em Campinas. Procurada para abordar o tema da reportagem pelo Com:Atitude, a Red Bull não se pronunciou.
Segundo o especialista em marketing esportivo Erich Beting, sócio-diretor do site Máquina do Esporte, é preciso, no entanto, deixar claro que os patrocínios têm começo, meio e fim. “Neste meio, principalmente, o ciclo é visível”, afirma. “Isso é comum, por exemplo, em uma equipe de vôlei. A empresa investe, fica dois ou três anos, sai e isso é tido como natural. O patrocínio não é uma atividade-fim da empresa”. Em sua opinião, essa lógica faz com que as empresas, muitas vezes, sejam vistas como vilãs. Porém, Beting crê na existência de outras variáveis que influenciam em uma situação de descontinuidade.
Comunicação é, na visão do especialista, um fator decisivo. Sem clareza e objetividade na demonstração de que os patrocínios têm um risco inerente, as chances de aparecerem problemas posteriores são grandes. “Se o risco é maior, o potencial de engajamento é igualmente superior. Se o patrocínio dá certo, tem alinhamento com a marca, é bem gerido e comunicado, o resultado junto aos públicos é fantástico”, diz Beting.
O problema consiste no fato de que, na maioria das vezes, as empresas ingressam – seja no esporte ou em outras áreas – em decorrência de um “efeito manada”, isto é, realizam investimentos balizados pelos ventos dos concorrentes ou tendências e deixam de lado as próprias crenças e prioridades estratégicas. Erich Beting afirma que, no caso do esporte, as corporações necessitam planejar melhor suas incursões em atitude de marca. “Faltam análises mínimas de contexto, mercado, desempenho do clube, torneio ou atleta a ser apoiado”, afirma. Para ele, o patrocínio é apenas o começo de um grande processo de comunicação, que se inicia no investimento, passa pela gestão, comunicação, ativação e mensuração de resultados.
O caso USA Luge e a visão do proponente
O luge, arriscado esporte de inverno no qual um atleta desce individualmente deitado em um trenó ao longo de uma pista de gelo, tem na equipe norte-americana um de seus centros de prática mais fortes. E, após três décadas de relacionamento com a empresa de telecomunicações Verizon, o patrocínio chegou ao fim. Para Jim Andrews, da consultoria de patrocínios IEG, trata-se de um exemplo positivo de conclusão de uma atitude de marca. Em sua opinião, a oportunidade foi aproveitada para posicionar a organização – no caso, a USA Luge – como uma propriedade rentável e crível para atrair novas corporações parceiras.
Em comunicado à imprensa, a USA Luge esclareceu a situação e ressaltou a raridade de um patrocínio tão longevo e sobrevivente a diversas mudanças organizacionais na Verizon, que levou os desportistas da modalidade a assumirem condição de protagonistas em seu cenário competitivo. Além disso, a organização realçou o desafio em repor a receita de US$ 1 milhão anuais colocada em xeque.
Desta forma, a USA Luge posicionou-se como um parceiro atrativo para potenciais investidores ao reconhecer publicamente o valor da ligação com a Verizon. Para tanto, relembrou a percepção positiva angariada junto a torcedores e demais patrocinadores, bem como os benefícios de negócio gerados para a antiga parceira. Neste caso, a comunicação clara a e abrangente, mais do que trazer à baila o fim de um longo relacionamento, trouxe um conteúdo capaz de manter fortes ambos os lados: a Verizon, na condição de marca que manteve uma longa relação com uma relevante propriedade e a USA Luge, que geriu bem os recursos recebidos e soube transformá-los em resultados concretos, sendo assim uma parceira atraente para outras marcas.
Critérios para um encerramento adequado 
Toda atitude, quando concebida, deve prever seu ciclo de vida completo, pois a mudança de linhas de atuação é natural. Para tanto, é necessário mapear a força dos vínculos criados a partir das ações. Quando se fala de uma iniciativa ambiental, por exemplo, há agentes envolvidos de maneira intensa, como ONGs, governo, comunidades de territórios específicos, dentre outros. Mais do que um contrato, há ali uma relação. E ela precisa ser conduzida de maneira clara e transparente. Deve-se avaliar bem o impacto que um eventual encerramento traria para cada público e, a partir disso, criar um plano de ação e comunicação com o objetivo de suavizar ao máximo resultantes negativas da decisão tomada.
Deve haver um cronograma de saída que não seja prejudicial à empresa, tampouco aos públicos envolvidos. Comunicação, neste caso, é essencial: transparência e clareza devem estar sempre presentes em todas as mensagens. Uma atitude sólida comunica de forma eloquente – do início ao fim.

"Por Com:Atitude, do Mundo do Marketing"

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